A Comissão Nacional da Mulher Advogada da Ordem dos
Advogados do Brasil, a Comissão da Mulher Advogada da Seccional de São Paulo, a
Associação Brasileira de Mulheres de Carreiras Jurídica – ABMCJ e a ABMCJ/SP
manifestam seu veemente repúdio aos casos emblemáticos de violências de gênero
cometidos contra três mulheres, nos últimos dias:
1.) Mariana
Gonzalez, ao comparecer à 2ª DDM para noticiar a grave violência que sofrera da
parte de seu companheiro, preso em flagrante, assiste incrédula, sua liberação.
2.) a advogada e deputada estadual Isa Penna, durante sessão realizada na ALESP, sofreu
evidente e desrespeitosa prática de
importunação sexual cometida pelo Deputado Fernando Cury. O vídeo
circulou nos diversos veículos de comunicação.
3.) Em
audiência em que buscava a garantia e proteção dos seus direitos, J., sofre uma
sequência de absurdas violências cometida pelo Juiz da causa, que debocha da
Lei Maria da Penha e desacredita da vítima e da Legislação e menciona que
“ninguém apanha de graça”. Além disso, no mesmo ato, ofende as advogadas
presentes ao ato processual.
É lamentável que órgãos do sistema de justiça e do Poder
Legislativo possam espelhar e sobretudo naturalizar as violências e opressões
de gênero e, o que é pior, culpabilizar as mulheres por essas ações!
Nos casos citados, que são apenas uma breve amostra do que
cotidianamente ocorre no Brasil, observa-se uma prática sistêmica e sistemática
desse conjunto de violências direcionados por essas instituições às mulheres.
Recentemente no CNJ houve recomendação para que magistrados
e magistradas que atuem em Varas Especializadas de Violência possam realizar
capacitações em gênero como forma de aprimorar suas atuações.
O posicionamento do CNJ acha-se em consonância com a
Recomendação 33 do Comitê CEDAW – Convenção Internacional pela Eliminação de
todas as formas de Discriminação e Violência à Mulher da ONU”:
“Na presente recomendação geral, o Comitê examina as
obrigações dos Estados partes para assegurar que as mulheres tenham acesso à
justiça. Essas obrigações incluem a proteção dos direitos das mulheres contra
todas as formas de discriminação com vistas a empoderá-las como indivíduos e
titulares de direitos. O efetivo acesso à justiça otimiza o potencial
emancipatório e transformador do direito. Na prática, o Comitê observou uma
série de obstáculos e restrições que impedem as mulheres de realizar seu
direito de acesso à justiça, com base na igualdade, incluindo a falta de
proteção jurisdicional efetiva dos Estados partes em relação a todas as dimensões
do acesso à justiça. Esses obstáculos ocorrem em um contexto estrutural de
discriminação e desigualdade, devido a fatores como estereótipos de gênero,
leis discriminatórias, discriminação interseccional ou composta, requisitos,
procedimentos e práticas em matéria probatória, e à falha em sistematicamente
assegurar que os mecanismos judiciais sejam física, econômica, social e
culturalmente acessíveis a todas as mulheres. Todos esses obstáculos constituem
persistentes violações dos direitos humanos das mulheres”, Recomendação Geral
nº 33 sobre o acesso das mulheres à justiça.
Enquanto tais práticas reiteradas de violências
institucionais na dimensão de gênero não forem reconhecidas como graves
violações aos Direitos Humanos, os sistemas que deveriam garantir a efetiva
proteção aos direitos das mulheres se colocarão como os maiores violadores dos
direitos humanos dessas mulheres.
Não é dado a qualquer pessoa, e especialmente àquelas que
ocupam espaços decisórios de poder, que utilizem seus cargos para banalizar
condutas de violências contra à mulher, que muitas vezes inclusive culminam na
sua revitimização.
Em um país onde desde o início de sua história a violência
contra a mulher foi construída desde sua colonização como algo tolerável e
natural, e alcança níveis epidêmicos, com pessoas sofrendo e morrendo,
diuturnamente com os mais diversos níveis de brutalidade, não se pode
permanecer silente, sob pena de sermos omissos e coniventes com esse cenário.
Diante dos fatos, reafirmamos o compromisso com a busca pela
efetivação dos direitos das mulheres, que, para serem garantidos em sua
plenitude, passa pelo comprometimento ainda maior do Sistema de Justiça, com
atenção especial aos casos em que se tem em um dos polos da demanda uma mulher
vítima de violência de gênero, exatamente por conta de sua especial
vulnerabilidade, o que exige dos(as) operadores(as) jurídicos atitudes de
empatia, de não julgamento e de acolhimento.
O terceiro caso acima mencionado expressa mais um episódio
de violência de gênero dentro do processo, em que, por meio de declarações
descabidas, o magistrado busca, inclusive, inverter a culpa pela violência,
colocando na conta da vítima a responsabilidade pela violência que sofreu. É o
que se observa da seguinte fala: “ele pode ser um figo pobre, mas foi uma
escolha sua e você não tem 12 anos”. Lamentável e inadmissível uma postura como
essa, principalmente porque partiu daquele que tendo o dever legal de proteção
e acolhimento não o fez.
Além dessas falas, ele alega que o autor da violência não o
interessa. E, apesar do histórico de agressão, o juiz insiste que a vítima abra
mão das medidas protetivas de urgência, sugerindo, inclusive, a reconciliação
do casal. Tomar conhecimento que uma legislação considerada pela Organização
das Nações Unidas (ONU), a terceira melhor lei do mundo no combate à violência
doméstica é tratada com deboche desperta ao mesmo tempo reflexão e repúdio.
As estatísticas demonstram que os índices de violência
contra mulheres e o feminicídio vêm aumentando. A contenção desse terrível
fenômeno passa, necessariamente, pelo entendimento de que, ao contrário da fala
do magistrado, nada justifica a violência.
É urgente e necessária a reflexão, a mudança de
comportamentos diante de casos como esses para que a luta de tantas mulheres em
busca de igualdade, de direitos não seja em vão.
Portanto, diante da gravidade dos fatos veiculados, lamentamos e registramos o enorme pesar em
presenciar essas atitudes, e em demonstração a nossa solidariedade para com as vítimas, oficiamos, nesse ato, o CNJ, o TJSP, e sua Corregedoria, bem como
solicitamos apuração pela Comissão de Ética da ALESP, em relação aos atos
praticados contra a advogada e deputada estadual Isa Penna, para que as devidas
providências possam ser adotadas no sentido de que mudanças estruturais possam acontecer e se
traduzir na efetivo respeito aos direitos de todas as mulheres, para que sejam
reconhecidas e respeitadas na sua humanidade e dignidade!
A luta pela igualdade de gênero exige coragem!
Em 18 de dezembro de 2020.
Comissão Nacional da Mulher Advogada da OAB
Comissão da Mulher Advogada da OAB-SP
Comissão da Mulher Advogada da OAB-BA
Comissão da Mulher Advogada da OAB-CE
Comissão da Mulher Advogada da OAB-DF
Comissão da Mulher Advogada da OAB-ES
Comissão da Mulher Advogada da OAB- MS
Comissão da Mulher Advogada da OAB-PE
Comissão da Mulher Advogada da OAB-PI
Comissão da Mulher Advogada da OAB-PR
Comissão da Mulher Advogada da OAB-SC
Comissão da Mulher Advogada da OAB-MG
Comissão da Mulher Advogada da OAB-GO
Comissão da Mulher Advogada da OAB-RJ
Comissão da Mulher Advogada da OAB-AC
Comissão da Mulher Advogada da OAB-RS
Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP
Comissão da Igualdade Racial da OAB-SP
Comissão da Advocacia Assalariadas da OAB-SP
Comissão de Graduação, Pós-Graduação e Pesquisa da OAB-SP
Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil da
OAB-SP
Associação Brasileira de Mulheres de Carreiras Jurídica
Associação de Mulheres de Carreiras Jurídica – Comissão São
Paulo
Source: OAB