A Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/19) foi o tema de discussão do último dia da Webinar – Videoconferência Nacional do Direito de Defesa e Advocacia Criminal, evento que tem a coordenação do presidente da Comissão Especial de Garantia do Direito de Defesa, Juliano Breda. O debate realizado nesta sexta-feira (1º) teve a mediação de Heloísa Estellita e participação do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, do presidente da OAB-SP, Caio Augusto dos Santos, e de Cristiano Marona e Aury Lopes Júnior. O jurista Lenio Streck fez o encerramento.
Mendes fez um histórico do contexto jurídico que levou a aprovação da lei, em 2019, ao abrir o debate da Webinar. “No Brasil, já colecionávamos abusos de autoridade que iam de A a Z. Vazamento de informações, colocação de algemas indevidas e exposição de presos. Todo esse quadro tornou-se algo muito comum nos anos 1990 e depois nos anos 2000. De modo que era natural que discutíssemos essa questão”, disse ele. “Os advogados sofrem direta e indiretamente e acabam sendo vítimas desse quadro de abusos”, acrescentou.
O ministro do STF afirmou ser importante que se internalize na administração pública uma cultura de respeito à Lei de Abuso de Autoridade, para que ela seja um “catálogo pedagógico” para advogados da União, membros do Ministério Público e todos aqueles investidos de poder. “De modo que se saiba quais são os limites éticos e jurídicos da sua atuação”, declarou ele.
“Falava-se que a Lei de Abuso de Autoridade era contra a Operação Lava Jato então havia esse argumento de caráter político jurídico para inibir a sua aprovação. A lei não é contra ninguém em especial. O que ela quer é dar parâmetros jurídicos para as ações dos agentes públicos que contam com muito poder”, afirmou ele. “É uma lei extremamente importante e acho que a OAB tem de se debruçar sobre ela e ajudar na sua aplicação porque isso é fundamental. Desde aquele indivíduo que é abordado por um policial e sofre violência até essas situações muito mais sofisticadas que vemos nas grandes operações e nas Comissões Parlamentares de Inquérito. Certamente sua aplicação é ampla”, acrescentou o ministro do STF.
Debate
O presidente da OAB-SP, Caio Augusto dos Santos, criticou recentes tentativas de minar o direito de defesa e argumentou que a Lei de Abuso de Autoridade é uma conquista civilizatória. “As coisas são o que são e não o que dizem que são. A realidade não pode ser acobertada. A verdade é que a violação às prerrogativas da advocacia ocorre todos os dias. Era, portanto, necessário que através de uma lei ordinária se repisasse todo o ensinamento oriundo da nossa Constituição cidadã. As referências colocadas na Lei de Abuso de Autoridade, em respeito as prerrogativas da advocacia, são referências que a própria Constituição estabelece como fundamentais para a sobrevivência de um Estado Democrático de Direito”, disse ele.
Cristiano Marona, que é membro da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP, declarou haver tentativas de criminalização da advocacia e que atualmente é comum uma certa confusão entre direito de defesa e obstrução de justiça. Ele fez uma crítica à fragilização do direito e defesa a partir da operação Lava Jato. “A Lei de Abuso de Autoridade é uma justa reação da advocacia contra movimentos de enfraquecimento da advocacia que vem ocorrendo no Brasil, em especial a partir de 2014”, afirmou. “Por que o Brasil se tornou um país de ‘liberticídas’ raivosos? Isso tem a ver diretamente com o fato de que o papel do advogado e a defesa que ele faz do processo criminal é tão mal compreendida na sociedade”, declarou ele.
Aury Lopes Júnior sustentou a existência de um problema cultural. “O advogado passou a ser alguém que tem de ser destruído junto com o cliente. Chegamos ao fundo do poço e isso é muito preocupante”, disse. “Precisamos compreender que o momento é muito sensível e que precisamos, infelizmente, criminalizar a violação das prerrogativas. Da forma como a advocacia está sendo aviltada é necessária a intervenção do direito penal. Ainda que eu tenha uma visão extremamente cética em relação à efetividade da Lei de Abuso de Autoridade. Ela é muito importante numa dimensão simbólica e de resistência, mas sou cético. A polícia não investigará, promotores não denunciarão e juízes não condenarão. Tomara que eu esteja errado”, afirmou ele.
Source: OAB